Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1487/17.8T8BGC.G1
Relator: FERNANDO FERNANDES FREITAS
Descritores: INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE
CADUCIDADE DA ACÇÃO
INCONSTITUCIONALIDADE
DIREITO AO CONHECIMENTO DA PATERNIDADE BIOLÓGICA
DIREITO À IDENTIDADE PESSOAL
DIREITO A CONSTITUIR FAMÍLIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/08/2020
Votação: MAIORIA COM * DEC VOT E * VOT VENC
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- Da conjugação da alínea b) com a alínea c) do n.º 3 do art.º 1817.º do C.C. resulta que a segunda se reporta às situações em que a paternidade não está determinada e a primeira às situações em que a paternidade consta do registo do nascimento, pelo que, havendo uma paternidade já estabelecida, a lei exige um maior grau de certeza nos “factos” e “circunstâncias” que justifiquem a investigação, enquanto que relativamente à alínea c) os “factos” e “circunstâncias” são todos os que tornem possível a investigação, e de que o investigante tenha tido conhecimento em momento posterior ao termo final do prazo-regra de 10 anos, estabelecido no n.º 1, e justifiquem que tenha sido apenas nesse momento e não antes que o investigante tenha lançado mão da acção com vista a exercer o seu direito de ver estabelecido o vínculo da filiação.
II- O direito ao conhecimento da paternidade biológica, enquanto decorrência dos direitos de identidade pessoal e ao direito de constituir família, assumem a natureza de direitos fundamentais, consagrados nos art.os 26.º, n.º 1 e 36.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.
III- O estabelecimento de prazos limitadores da possibilidade de intentar acção de investigação da paternidade, como o estabelecido no n.º 3 do art.º 1817.º, aplicável por força do disposto no art.º 1873.º, ambos do C.C., é materialmente inconstitucional por violar os suprarreferidos art.os art.os 26.º, n.º 1 e 36.º, n.º 1 da C.R.P..
Decisão Texto Integral:
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

A) RELATÓRIO

I.- M. R. e M. J. intentaram a presente ação de investigação de paternidade contra A. B. pedindo que se declare que este é o seu pai e que seja averbado ao assento de nascimento de cada uma delas, Autoras, a paternidade do Réu bem como os ascendentes paternais em 2.º grau.
Fundamentam alegando, em síntese, que durante o período legal de conceção de cada uma delas, a mãe manteve relações sexuais com o Réu e que este sempre as reconheceu como filhas, tratamento que cessou apenas desde o último Natal (Dezembro de 2016).
O Réu contestou, excepcionando a caducidade da acção e, por impugnação, negando o reconhecimento/tratamento das autoras como filhas.
Invoca o abuso de direito, alegando que as Autoras propõem a presente ação quase 40 anos após terem atingido a maioridade, apenas com a esperança de tentar extorquir vantagens patrimoniais e por em causa a vida privada do Réu e a sua estabilidade emocional.
Em sede de audiência prévia, as Autoras responderam à exceção de caducidade e ao invocado abuso do direito. Foi definido o objecto do litígio e enunciados os temas da prova.
Foi determinada e realizada perícia de investigação de parentesco biológico pelo INML, tendo-se concluído pelas probabilidades de 99,99999999% e 99,99999998% de o Réu ser pai das autoras M. R. e M. J., respetivamente.

Teve lugar a audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença decidindo:

- Declarar ser o Réu, A. B., pai biológico das Autoras, M. R. e M. J..
- Ordenar o averbamento no assento de nascimento das Autoras, M. R. e M. J., da paternidade destas por parte do Réu, A. B., bem como, e em consequência, do nome dos ascendentes em 2º grau das Demandantes, pais do Demandado.
Inconformado, traz o Réu o presente recurso pedindo a reapreciação da decisão de facto e a revogação do decidido.
Contra-alegaram as Autoras propugnando para que se mantenha a decisão impugnada.
Foram colhidos os vistos legais e apresentado o projecto de acórdão pela Relatora, o qual, submetido à discussão, não obteve integral concordância.
Cumpre elaborar o acórdão definitivo de harmonia com a orientação que prevaleceu.
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II.- O Apelante/Réu formulou as seguintes conclusões:

1. A questão essencial que se suscita no presente litígio é saber se desde a tenra idade das Autoras, ora recorridas, o Réu, ora recorrente, sempre tratou, quer em termos pessoais, quer diante de outras pessoas, as Autoras como filhas, dispensando-lhes os mesmos cuidados e carinhos que concedia aos filhos nascidos do respectivo casamento, e se se verifica ou não a caducidade da ação pela cessação do tratamento nos últimos 3 anos por confronto com a data da instauração da ação (15/11/2017).
2. Quanto a estas questões, o tribunal a quo deu como provado pelas Autoras o tratamento e como não provado pelo Réu a cessação do tratamento há mais de 3 anos por confronto com a data da propositura da ação.
3. Em cumprimento do ónus que decorre para o recorrente do disposto no artigo 640 n.º 1 do CPC, especifica o recorrente que os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados são os pontos 12, 13, 14, 15, 18, 20, 21, 23, 25, 27, 28, e 34 sendo que, em seu entender os pontos 12, 13, 14, 15, 20, 21, 23, e 28 deveriam ter sido dados como não provados e os pontos 18, 25, 27, e 34 provados mas noutros termos.
4. O recorrente não põe em causa que na situação dos autos foi feita prova direta da filiação biológica na sequência dos exames ADN levados a cabo.
5. No entanto, esta prova não é suficiente, uma vez que encontra-se ultrapassado o prazo previsto no n.º 1 do artigo 1817 do CC – perfeitamente demonstrado nos autos atenta a data da instauração da ação por contraponto com o final do prazo de 10 anos a contar da maioridade das Autoras.
6. O recorrente também não põe em causa a reputação como filhas pelo público, mas que por si só não é suficiente para consubstanciar o conceito de posse de estado - artigo 1871 do CC
7. Entende o recorrente que não foi feita a prova do tratamento (nº 3 do artigo 1817 do CC)
8. O Tribunal a quo concluiu, face ao circunstancialismo que dá como provado, e que consiste essencialmente nas relações de proximidade entre as AA e a sua família (designadamente os avós e os tios), pela existência afetiva de um tratamento de pai dispensado pelo Réu às Autoras.
9. Ora o Tribunal a quo não fundamenta a sua decisão numa atuação do Réu reveladora de um mínimo de afeto e ajuda moral e material ao longo do tempo em relação às Autoras.
10. O Tribunal a quo distingue claramente dois períodos, o primeiro referente à infância das Autoras, e o segundo referente ao período posterior à sua ida para Espanha em 1980, dando como provados os convívios no primeiro período como resultando das declarações das testemunhas M. A., J. B., J. R., e N. B., e das declarações de parte das Autoras, e quanto ao segundo período, alguns mas raros contactos presenciais e telefonemas no Natal como resultando apenas das declarações de parte.
11. A prova dos convívios entre pai e filhas durante a infância, contrariamente ao referido na sentença, não decorre do depoimento da testemunha M. A. prestado na sessão de julgamento de 03 de abril de 2019, ficheiro 20190403121948 de (04:04 a 05:20), de (06:20 a 06:37) de (10:58 a 13:05) de (13:33 a 13:55) que afirmou não saber se eles conviviam porque “morava um pouco distante e que nunca viu o Réu passear com as filhas”
12. Também não decorre do depoimento da testemunha J. R. prestado na sessão de julgamento de 03 de abril de 2019, ficheiro 20190403152042 de (00.54 a 01:22) de (01:52 a 02:07) de (7:22 a 09:42) de (10:08 a 10:33) de (12:43 a 13:20), e do ficheiro 20190403153440 de (3:43 a.04:18), de (4:35 a 04.44) de (06:40 a 06:44) de (08:43 a 08:55), uma vez que esta testemunha não tem um conhecimento direto dos factos ou seja as respostas que deu reconduzem-se a uma mera opinião, extravasando manifestamente os limites da prova testemunhal, tendo apenas concluído que não consegue avaliar o relacionamento entre as Autoras e o Réu.
13. Quanto à testemunha N. B., irmão do Réu conforme refere a sentença a quo apenas admitiu a possibilidade de as Autoras poderem ter sido tratadas pelos seus pais como netas embora nunca tenha presenciado o Réu na presença das Autoras em casa dos pais, depoimento ficheiro 20190605115339 na audiência de 05 de junho de 2019 de (06: 19 a 06:46) de (07:13 a 07:41) de (10.37 a 11:37)
14. Ao invés resulta dos vários depoimentos das testemunhas ouvidas nomeadamente vizinhos e residentes na aldeia desde sempre, J. S., vizinho durante a infância das AA, ficheiro 20190403141748 audiência de 03 de abril de 2019 de (06:00 a 06:35) de (06:46 a 06:53) de (08:56 a 09:19), de J. B., vizinho, ficheiro 20190403142901 audiência de 03 de abril de 2019 de (06:00 a 06:34) de (08:45 a 09:07) de (09:30 a 09:42) de (19:32 a 19:45), que nunca houve relacionamento entre as Autoras e o Réu.
15. O mesmo se dirá quanto às testemunhas O. P. (viveu em Alfaio entre 1960 e 1976), ficheiro 201904031450328 audiência de 03 de abril de 2019 de (5:00 a 05:13) de (5:49 a 06:00) da testemunha J. A., vizinha das Autoras, ficheiro 20190403151030 audiência de 03 de abril de 2019 de (5:11 a 5:22) de (05:44 a 06:11),
16. Tal ausência de convívios e contactos também decorre dos depoimentos das testemunhas indicadas pelo Réu, nomeadamente a sua filha legítima, M. C., ficheiro 20190403160332 audiência de 03 de abril de 2019 de (01:25 a 06:08) de (07 :11 a 09: 23) de (22:55 a 24:21) de (29:36 a 30:11) de (31 :05 a 31: 57) de (32:23 a 32: 29) de (34:43 a 34:45), depoimento que não foi valorado pelo Tribunal a quo.
17. Tal materialidade referida em 16, também resulta do depoimento do outro irmão do Réu, M. B., ficheiro 20190605112740 audiência de 05 de junho de 2019 de (4:29 a 05:00) de (09.10 a 09:29) de (10:30 a 10:50) de (11:34 a 11:38) de (12:18 a 12:57) de (15:03 a 15:10)
18. Assim não poderia ter sido considerado demonstrada e provada a materialidade acolhida nos pontos 12, 13, 14 porque dos depoimentos transcritos nenhuma testemunha veio corroborar qualquer contacto entre o Réu e as Autoras, nem na rua, nem em casa dos avós, durante a infância/adolescência destas, embora se admita que as mesmas tenham frequentado a casa dos avós na ausência do Réu, pelo que deverá o Tribunal ad quem fazer uso da faculdade prevista no artigo 662 do CPC e modificar a resposta dada a estes pontos, dando-se os mesmos como não provados.
19. Quanto ao ponto 13, a filha legítima do Réu M. C. não confirmou ter convivido com as Autoras M. R. e M. J. quando estas eram crianças, até porque em 1978, esta tinha 5 anos e as Autoras 18 e 16 anos respectivamente, pelo que não é credível que este único episódio relatado e dado como provado pelo Tribunal a quo com base nas declarações de parte da Autora M. J. que afirmou nas suas declarações prestadas na audiência de julgamento de 03 de abril de 2019 (depoimento 20190403114128) entre os 15.41 min. e os 16:14 min. que teriam ido passear com o Réu e com os filhos legítimos dele no carro dizendo “que iam os 4 meninos atrás no carro”, incongruência da qual o Tribunal a quo não retirou qualquer conclusão, dando como provado sem mais o ponto 13, com base nas declarações das Autoras, quando deveria ter sido dado como não provado.
20. Quanto ao ponto 14 dos factos provados, o tribunal a quo não podia ter dado com provado que as Autoras tratavam o Réu por pai, não recusando este tal tratamento, apenas e tão só com base nas declarações das Autoras, sem qualquer outro meio de prova, pois nenhuma testemunha, e muito menos a testemunha M. A., presenciou qualquer encontro ou conversa entre eles que viesse confirmar tal tratamento.
21. Quanto ao ponto 15, não podia o Tribunal a quo ter dado como provado este facto com base no depoimento da testemunha M. A. que prestou um depoimento contraditório e pouco convincente (conforme decorre das declarações acima transcritas), dizendo o dito pelo não dito, afirmando quando questionado pela mandatária do Réu que nunca tinha falado com o Réu sobre as Autoras, e que ele nunca falava nelas, ficando a afirmação prestada no início do seu depoimento “ele me dizia que enviava roupa às filhas”, arrasada pelas respostas posteriormente dadas.
22. E ainda quanto ao ponto 18, não podia o Tribunal a quo ter dado como provado que era o Réu quem enviava as roupas, ainda que se admita que estas tenham sido enviadas pela esposa, conforme decorre do depoimento da filha do Réu M. C., depoimento que não foi valorado pelo Tribunal a quo, depoimento 20190403160332 audiência de 03 de abril de 2019 de (22:55 a 24:21), depoimento que vai ao encontro das declarações de parte a Autora M. R. ficheiro 20190403102115 audiência de 03 de abril de 2019 que quando questionada respondeu que não sabia quem enviava a roupa e que estas eram enviadas para uma tia (50.35 a 51.14) e das declarações inseguras e contraditórias da testemunha M. A. ficheiro 20190403121948 (de 04:04 a 05:20) e de (10:58 a 13:55)
23. Assim do ponto 18, apenas poderia constar:
18. Em algumas ocasiões, quando as Demandantes ainda eram menores, a esposa do Réu enviou-lhes roupa usada, fosse por correio, fosse através de familiares deste.
24. E consequente alteração do ponto 19 ficando provado nestes termos: 19. O Réu nunca prestou ajuda económica às Autoras ou à mãe destas, designadamente, através do envio de dinheiro, alimentos ou outros bens, bem como através do pagamento de despesas daquelas.
25. Quanto a pontos 20, 21 e 23 dos factos provados, o Tribunal a quo deu como provado a existência de contactos nos últimos 30 anos (após a ida das autoras para Madrid) apenas com base nas declarações de parte da Autora M. J. que estão em chocante contradição com as declarações da irmã M. R. e não valorou os restantes depoimentos, que não corroboram tais declarações, porquanto as declarações de parte, desacompanhadas de qualquer outro meio de prova não podem fundamentar a prova dos factos favoráveis à sua pretensão, devendo o Tribunal ad quem fazer uso da faculdade prevista no artigo 662 do CPC e modificar a resposta dada a estes pontos, dando-se os mesmos como não provados
26. A Autora M. R. que foi ouvida em primeiro lugar falou sempre em nome dela e da irmã (usando a 1ª pessoa do plural e quando questionada se a irmã teve as mesmas dificuldades em contactar com o Réu nos últimos 30 anos, respondeu “igual”) apresentou, ao contrário da irmã M. J., uma versão sincera e verosímil destes factos que aliás vai ao encontro da restante prova testemunhal.
27. E novamente quanto a este período, o tribunal a quo retira das relações entre os familiares do Réu e as Autoras (convívio com a filha legítima do Réu e troca de postais), a ilação do reconhecimento da paternidade, sem mencionar qualquer facto concreto que revele o tratamento de pai para filha.
28. Ora, resulta das declarações de M. R. que as autoras foram sempre bem tratadas pela família do Réu, mas que no entanto este nunca quis saber delas, sendo que a própria Autora M. R. distingue claramente o reconhecimento da família do tratamento que nunca tiveram do pai, nos últimos 30 anos, declarações na audiência de 03 de abril de 2019 ficheiro 20190403102115 de (12:30 a 13:23) de (16:23 a 17:53) de (18:00 a 19:42) de (19:52 a 20:41) de (21:25 a 22:22) de (22:45 a 22:52) de (23:06 a 23:23) de (24:00 a 25:08) de (29:37 a 30:18) de (31:19 a 31:44) de (46:24 a 47:01) de (48:11 a 50:31) e de (51:22 a 51:55)
29. Decorre das declarações da autora M. R., que a partir do momento em que o Réu não quis cumprimentar o seu neto, filho da Autora M. R. quando este tinha 5 anos (entre 1986 e 1991), ponto 22 dos factos provados, as Autoras nunca mais contactaram nem falaram com o Réu.
30. Este episódio e todo o depoimento da Autora M. R. foi desvalorizado pelo Tribunal a quo dizendo “ não belisca tal asserção o facto tal como mencionado pela Autora M. R. o Réu não ter querido conhecer o filho daquela“ e isto porque continuando a sentença em crise “a circunstância de os contactos entre a Autora M. J. e o Réu terem continuado a ocorrer muito depois disso vai no sentido de tal episódio não ser significativo de um afastamento definitivo do demandado relativamente às demandantes.
31. O Tribunal a quo notou a discrepância nas declarações de uma e outra irmã, e questionou a Autora M. J. sobre estas alegadas diferenças de tratamento, respondendo a Autora que a irmã era mais reservada, o que à luz da prova produzida e das regras de experiência comum não é credível, depoimento 20190403112051 de M. J. na audiência de 03 de abril de 2019 de (05:34 a 12:37) de (13:09 a 14 : 59) e continuação depoimento M. J. ficheiro 20190403114128 na audiência de 03 de abril de 2019 de (01:26 a 01:55) de (20: 45 a 21:52) de (28.58 a 29:43) de (31:41 a 33:09)
32. A discrepância foi relevada pelo Tribunal a quo mas não valorizada na sentença.
33. Refere-se ainda com referência ao ponto 21, que a Autora M. R. nunca disse ter ido almoçar em casa do irmão do Réu com ele, quem o afirmou foi a Autora M. J., pelo que andou mal o Tribunal a quo quando dá como provado que a Autora M. R. almoçou em casa do irmão do demandado, pelo que este ponto não podia ter sido dado como provado.
34. E também não podia ter sido dado provado quanto à autora M. J. porque as suas declarações quanto ao almoço em casa do tio D., foram contrariadas pela esposa deste, M. V., ouvida como testemunha que afirmou que a Autora M. J. nunca foi a casa dela, depoimento 20190605110439 audiência de 05 de junho de 2019 de (00:30 a 00-39) de (09.58 a 11:12)
35. O Tribunal a quo também não podia ter dado como provado o ponto 23 dos factos provados apenas e tão só com base no depoimento de parte da Autora M. J. sem qualquer outro meio de prova (testemunhal ou documental) convergente com estas declarações.
36. Com efeito, não é credível, ser apenas esta filha (e não também a outra) que telefonava ao pai e apenas no Natal, e nunca contactar nos outros dias festivos e afirmar como afirmou que era sempre ela a telefonar (pois o Réu nunca lhe ligou) conforme resulta também da fundamentação fáctica da sentença ora em crise.
37. Estes alegados telefonemas colidem com o teor dos depoimento da testemunha M. C., totalmente ignorado pelo Tribunal a quo - ficheiro 20190403160332 na audiência de 03 de abril de 2019 que desmentiu alguma vez o pai ou a mãe terem sido contactados por telefone pelas Autoras (de 20:49 a 22:39) e ainda com as declarações de parte da Autora M. R. que afirmou que o Réu nunca quis contactar com as Autoras nos últimos 30 anos e quando lhe foi perguntado pela mandatária do Réu se telefonavam ou trocavam cartas, esta respondeu “não” - minutos 48:11 e 50:31 das suas declarações ficheiro 20190403102115.
38. Dando o Tribunal ad quem como não provado o ponto 20, deverá o ponto 22 ser alterado nos termos seguintes:
22. Numa ocasião, ocorrida entre 1986 e 1991, quando o Réu permanecia em casa do irmão em ..., a Autora, M. R., quis apresentar-lhe o seu filho, então com 4-5 anos de idade, à porta da referida habitação, tendo o Demandado recusado conhecer a criança e subido as escadas de acesso à casa para evitar tal contacto, o que magoou a referida Demandante.
39. Produzida a prova em sede de audiência de discussão e julgamento, mormente com a inquirição das testemunhas quer das AA, quer do Réu, resultou um elemento factual de extrema importância para os presentes autos e que o Tribunal recorrido deveria ter feito registar na douta sentença que ora se põe em crise, ao abrigo do princípio do aquisitivo processual.
40. E que de facto, o tribunal, ao abrigo do referido principio, tendo em conta o depoimento conjugado das testemunhas todas do Réu, e das testemunhas M. A. J. S., J. B., O. P., J. A., J. R., e até das declarações de parte de M. R. haveria de ter concluído que, por ser relevante para a boa decisão da causa, o Réu nunca foi visto na companhia das AA ao longos de mais de 50 anos de vida destas, desde a infância até à presente data, nem nunca o Réu assumiu a sua paternidade, até porque era um assunto do qual nunca falava.
41. Até porque o Réu impugnou na sua contestação todos os factos referentes ao alegado tratamento.
42. O Tribunal a quo não relevou este facto na matéria provada, verificando-se deste modo uma omissão de factos relevantes, pelo que este facto deverá ser aditado à matéria dada como provada.
43. Verifica-se quanto aos pontos 25, 27 e 28 dos factos provados um notório e grave erro na apreciação da prova, o que se alega para os devidos efeitos legais.
44. O Tribunal a quo situa erradamente no tempo e confunde dois acontecimentos no ponto 27 dos factos provados, a festa de aniversário do Réu, com uma festa em ..., quando atenta aos depoimentos na audiência de 05 de junho de 2019 de M. V. ficheiro 20190605110439 de (12:40 a 14.13), de M. B. ficheiro 20190605112740 de (17:27 a 18:00) de N. B. ficheiro 20190605115339 de (12:11 a 12:33), de Judite Morais ficheiro 20190605133612 de (05:54 a 6:08), questionadas sobre a festa de aniversário do Réu, todos responderam que ele festejou os seus 80 anos, e que foi em 2014 de acordo com a sua data de nascimento - 13.09.1934 (o Meritíssimo Juiz consultou nesta audiência a copia do bilhete de identidade do Réu junta aos autos a fls 21), e que a festa foi num restaurante em Bragança.
45. Assim resulta que o episódio referido pelo Tribunal a quo no ponto 27 não se reporta ao aniversário do Réu que foi em 2014, mas a uma festa que houve em ... no verão de 2016 conforme declarações transcritas de M. R. ficheiro 20190403102115 na audiência de 03 de abril de 2019 (de 12:30 a 13:20), de M. J., ficheiro 20190403112051 de (20:45 a 21:52) e de M. V. ficheiro 20190605110439 na audiência de 05 de junho de 2019 de (17:29 até 19:32)
46. Assim deve o ponto 27 da matéria de facto dada como provada passar a constar o seguinte:
27. No Verão de 2016, na festa de ..., estando as Autoras presentes nessa ocasião, estas e o Réu não se falaram, tendo as Demandantes optado por não ir ao encontro do Demandado, porque entendiam que este, quando havia passado pelas mesmas em momento anterior, as deveria ter cumprimentado.
47. Deve ainda ser aditada à matéria de facto dada como provada que o Réu festejou os seus 80 anos em 2014, e as Autoras não estavam presentes na festa de aniversário, facto essencial para a descoberta da verdade e que encontra omisso na matéria dada como provada, elemento factual relevante para a apreciação da caducidade da ação.
48. Quanto ao ponto 25, mal andou novamente o Tribunal a quo quando dá como provado com base apenas nas declarações de parte da Autora M. J., que o convívio ocorrido em Paris com a filha do Réu M. C. foi em 2015.
49. Entende o recorrente, ao contrário do Tribunal a quo, que existem inúmeros elementos que permitem concluir que o encontro teve lugar no dia 12/07/2008 - A) a data aposta no documento de impressão das fotografias 12/07/2008, B) o depoimento de M. C. que afirmou como refere a sentença que o encontro terá ocorrido em 2008 porque o filho era pequeno, depoimento confirmado posteriormente com a junção aos autos das fotografias e com o assento de nascimento do filho deste - 28/02/2007 (junto aos autos com as fotografias de fls 59v) ficheiro 20190403160332 de 03 de abril de 2019 de (09:25 a 10:04) de (11:25 a 11:45) de (12:05 a 12:57) de (13:17 a 14:08) de (14:22 a 15:44), C) depoimento da testemunha M. V. que identificou todas as pessoas que se encontravam nas fotos, nomeadamente a criança que se encontra na foto superior com sendo o filho de M. C. e que identificou ainda o filho de M. J., a M. J., a cunhada L., o filho da L. e o marido de M. C. de nome P.. Ficheiro 20190605110439 na audiência de julgamento de 05/06/2019 de (14:18 a 17:10), e que o Juiz a quo ignorou por completo dizendo na sentença “não havendo forma de confirmar a identidade da criança na referida foto superior) quando esta foi identificada como os demais pela testemunha M. V., D) as declarações de parte de M. R. que inicialmente data o encontro em 2016 e mais adianta refere que foi na altura em que a mãe morreu porque elas andavam de negro - ficheiro 20190403102115 na audiência de julgamento de 03 de abril de 2019 ao minuto (09:43 a 10:54) e (56:38 a 57-26) que se pode confrontar com as fotografias juntas aos autos (foto inferior) na qual M. J. identificada pela própria e pela testemunha M. V. tem vestido uma blusa preta, E) as declarações de parte de M. J. que identificou o seu filho como sendo o jovem mais atrás em função da sua idade e ainda quanto à data do falecimento da mãe (há 10/12 anos disse ela ao minuto 17:37) - ficheiro 20190605104722 no dia da audiência de 05 de junho de 2019 (de 00.38 a 03:20) mas falta à verdade, quando diz não conseguir identificar as pessoas na fotografia de cima com exceção da L., sua tia, uma vez que as duas fotos foram tiradas no mesmo local (nota-se pela mesa e os copos em cima da mesa). Alias a própria testemunha reconhece que foram tiradas quando ela esteve em Paris em casa da irmã M. C.. Note-se que ainda o rapaz que está identificado pela testemunha como sendo seu filho (o que está mais atrás na fotografia inferior) não tem de todo 27 anos, aparenta ser muito mais jovem, uma idade muito mais próxima dos 20 anos do que dos 30 anos. F) As declarações da Autora M. J. refere ficheiro 20190403114128 na audiência de 03 de Abril que refere que o encontro foi no 14 de julho (03:15- 4:10) por confronto com a data aposta nas fotos juntas pelo Réu (12/07) G) a correspondência trocada entre M. C. e M. J. tem data de novembro de 2008 e 2009, ou seja de forma lógica e sequencial após a reunião na qual se conheceram como referiu a filha do Réu M. C. e a Autora M. R..
50. Todos estes elementos reunidos e confrontados uns com os outros, e que o Tribunal não considerou, ficando tão só e apenas, pelas declarações da Autora M. J., levam a concluir que este encontro entre as Autoras e a filha legítima do Réu M. C., e ao qual o Réu não quis comparecer, ocorreu em 12/07/2008.
51. Assim deve o ponto 25 da matéria de facto dada como provada passar a constar o seguinte:
25. Em 2008, a filha do Réu, M. C., convidou a Autora M. J. a ir a França visitar a família do Réu, o que esta fez no mês de Julho desse ano, passando aí uma semana e dormindo algum tempo em casa de uma irmã do Demandado.
52. Finalmente quanto ao ponto 28 dos factos provados, mais uma vez o Tribunal a quo dá como provado, apenas com base nas declarações da Autora M. J., e não apreciou criticamente o depoimento contraditório da filha M. C. que como já referido atrás afirmou que nunca ouviu falar, nem presenciou qualquer telefonema das Autoras aos pais, muito menos no Natal, época festiva que passa sempre com eles, e ainda e mais importante, as declarações da autora M. R. que entre os minutos 48:11 e 50:31 do ficheiro 20190403102115 refere, quando lhe foi perguntado se telefonavam ao Réu, respondeu que “não.”
53. Aliás a data de dezembro de 2016 foi a data oportunamente escolhida pelas Autoras como alegada data de cessação do tratamento com referência ao prazo anual da redação anterior à lei 14/2009 de 01.04 do artigo 1817 n.º 3 alínea b) do Código Civil, e agora trienal (a ação foi instaurada em novembro de 2017).
54. Pelo que deveria ter sido dado como não provado o ponto 28 face à insuficiência da prova quanto a este ponto, devendo o Tribunal ad quem fazer uso da faculdade prevista no artigo 662 do CPC e modificar a resposta dada ao ponto 28, dando-se o mesmo como não provado.
55. Quanto ao ponto 34 dos factos provados, entende o recorrente que deveria, por ser um elemento importante para apreciação da caducidade da ação, ter ficado a constar deste ponto que a mãe das Autoras faleceu há 10/12 anos conforme referiu M. J. nas suas declarações já transcritas, e mais precisamente em 2007 conforme resulta da certidão de óbito ora junta.
56. O recorrente entende a junção nesta fase processual como relevante para apreciação deste recurso, esclarecendo que não foi possível juntar antes porque não se perspetivou a sua junção face aos factos alegados pelas Autoras (com efeito estas não alegaram que não instauraram a ação antes do momento referido em 33- 15/11/2017- porque a mãe ainda era viva), tendo este facto sido questionado pelo Tribunal a quo na audiência de julgamento, e elencado na matéria de facto provada sem indicação da data do óbito, que o Tribunal a quo podia ter requisitado ao abrigo do princípio do inquisitório (artigo 411º do CPC e 436º do CPC), mas não fez ficando pelas declarações das Autoras.
57. Posto isto quanto à matéria de facto, dir-se-á que o Tribunal recorrido incorreu, pois em errada interpretação da prova produzida, já que fez uma avaliação acrítica dos depoimentos prestados pelas testemunhas, não tendo ajuizado da razoabilidade credibilidade ou verosimilhanças dos aludidos depoimentos e das declarações de parte, partes interessadas, não realizou uma confrontação adequada dos diversos depoimentos prestados pelas testemunhas bem como das declarações de parte das Autoras a fim de verificar a convergência ou divergência das versões dos acontecimentos relatadas nos autos, e por último não considerou a totalidade da prova produzida.
58. Na realidade não se pode olvidar o evidente facto de que as Autoras M. J. e M. R. serem partes na causa e, como tal terem interesse no desfecho da mesma, designadamente na improcedência da exceção de caducidade, daí que a liberdade de apreciação das declarações de parte que a lei atribui ao julgador deverá ser temperada com uma necessária dose de ponderação acerca de interesse da parte em causa, impedindo que qualquer facto - seja qual for mas ainda menos factos essenciais que integram o pedido – seja provado - segunda a motivação da sentença recorrida - fundamentalmente com base em tais declarações.
59. Donde, as declarações da parte interessada na procedência da causa, sem que tenham sido corroboradas por qualquer outro meio de prova, ou até em contradição flagrante com as declarações da co-parte, não poderão valer como prova dos factos favoráveis a tal procedência, impondo-se, por isso, que os factos em causa não pudessem ter sido dados como provados, como determina inúmera jurisprudência da qual citamos a titulo meramente exemplificativo, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20.11.2014 in DGSI.pt onde se sumaria que “as declarações de parte (art.º 466 do CPC) ou o depoimento de um interessado na procedência da causa não podem valer como prova dos factos favoráveis a essa procedência se não tiverem o mínimo de corroboração por um qualquer outro elemento de prova.”
60. De facto para além das declarações de parte da Autora M. J. sobre a sua convivência com o Réu e consequentemente tratamento não terem sido sustentadas por quaisquer outros meios de prova (testemunhal ou documental), e até contrariadas pela sua irmã M. R., há ainda que ter em conta que os alegados telefonemas da filha para o pai (e nunca ao contrário) não têm qualquer suporte documental.
61. A não documentação de actos dotados de uma alta ou frequente documentação, conduzindo a um absoluto ou notável défice documental, gera a presunção de inexistência dos actos (indicio in-documentario; cf Luís Filipe Pires de Sousa, prova por presunção no direito civil, Almedina 2012 p203)
62. Além de que as declarações prestadas pela Autora M. J. pautaram-se pela contextualização pobre, remetendo sistematicamente para os mesmos episódios da infância, serem pouco precisos e contraditórios quanto a datas e, por vezes, propositadamente evasivas, tudo características mais próximas de um depoimento inverídico do que um depoimento genuíno - ao contrário do depoimento da irmã M. R., também Autora
63. Mais na fundamentação fáctica da sentença ora em crise, não existe um exame crítico das provas que serviram para fundamentar a decisão do Tribunal, ficando sem se saber qual o raciocínio subjacente à convicção, designadamente a razão pela qual se valorizou um meio de prova em detrimento de outro.
64. Nos termos do artigo 607 do CPC ao relatório da sentença segue-se a fundamentação que consta dos factos provados e não provados, bem como uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal.
65. A prova testemunhal foi indicada de forma genérica para prova de todos os pontos da matéria de facto provada.
66. Ora, ao tribunal não basta indicar as provas a partir das quais formou a sua convicção (e aqui diremos que foram apenas as declarações de parte das Autoras), tendo também de fundamentar a decisão de facto que entende proferir, para o que deverá expor os motivos que o levaram a considerar aquelas provas como idóneas e relevantes, eventualmente em detrimento de outras, bem como indicar os critérios utilizados na apreciação da prova e o substrato racional que conduziu à convicção concretamente formada.
67. Não tendo o julgador, como não teve nos presentes autos, valorado e analisado criticamente todas as provas gera uma omissão ou deficiência que deverá ser suprida.
68. Deveria ter sido feita uma análise criteriosa e critica dos depoimentos testemunhais obtidos, nos presentes autos, não foram analisados e valorados todos os depoimentos, testemunhas que nunca presenciaram qualquer contacto entre Autoras e Réu ao longo de mais de 50 anos de vida destas, que só por erro manifesto da apreciação da prova não mereceram do Tribunal a quo qualquer valoração pois se o tivesse feito, levaria o Tribunal a declarar a caducidade da presente ação.
69. Por conseguinte, olvidando a sentença o dever de fundamentação e o exame critico das provas, a sentença recorrida é nula por falta de fundamentação, e ainda que assim não se entendesse, sempre existiria erro na apreciação da prova.
70. Tendo presente os factos provados e não provados com as alterações introduzidas para efeitos de reapreciação da matéria da decisão de facto, deverá concluir-se que não resultou demonstrado que “desde a tenra idade das Autoras, o Réu sempre tratou, quer em termos pessoais, quer diante de outras pessoas, as Autoras como filhas, dispensando-lhe os mesmos cuidados e carinhos que concedia aos filhos nascidos do respectivo casamento” – alinea b) dos temas da prova.
71. “O Tratamento como filho inerente à filiação socio afectiva implica por parte do pai comportamento que no plano efetivo e material revele que existe um cuidado e proteção igual que os pais dispensam aos filhos no quadro da vivência social……. Assim é de considerar relevante no sentido do tratamento e reconhecimento, que exista uma atuação reveladora de um mínimo de afeto e ajuda moral e material ao longo do tempo, sendo de ponderar se existe proximidade territorial ou não e se as circunstancias pessoais do investigante exigem a mesma intensidade de afeto e ajuda material. STJ 18.02.2105 DGSI
72. A verdade é que as situações em que as AA foram vistas com o Réu são inexistentes apesar do número elevado de testemunhas inquiridas e o tempo decorrido (que corresponde à idade das Autoras), e muito menos em convívios com a família do Réu.
73. Ficou provado (ponto 19) que o Réu nunca prestou ajuda económica às Autoras ou à mãe desta designadamente através de envio de dinheiro, alimentos e outros bens, bem como através do pagamento de despesas daquelas.
74. Mais, ficou provado no ponto 22, que numa ocasião ocorrida entre 1986 e 1991, o Réu recusou conhecer o filho da Autora M. R., virando costas e recusando qualquer contacto.
75. Ora tal comportamento colide com os alegados convívios e contactos que a Autora M. J. afirma terem existindo após a ida para Espanha, mas que entende o recorrente não terem ficado provados.
76. Mais ainda, resulta das declarações da Autora M. R., acima transcritas e com relevância para a questão do tratamento (que o Tribunal não valorou) que o Réu nunca telefonou às Autoras, nunca quis saber noticias delas mesmo quando alegadamente as encontrava na rua, nunca se dirigiu a elas para as cumprimentar, sendo sempre elas a ter de o fazer, nunca se dirigiu a elas chamando-lhes “filhas” (ponto A dos factos não provados).
77. Mesmo admitindo que quando se cruzavam na rua, as Autoras e o Réu se cumprimentavam (e isto com base apenas nas declarações das Autoras), esta circunstância caracteriza um acto de cortesia social entre pessoas que se conhecem numa pequena aldeia, não podendo caracterizar um qualquer tratamento de pai para filha.
78. À luz de todos os factos, numa perspectiva global de factos pessoais e sociais envolventes, entende o recorrente que não ficou provado que o Réu tenha dispensado às autoras o tratamento que os pais votam aos filhos.
79. O Tribunal a quo fundamenta a decisão com base numa ilação que se refuta expressamente, retirando do bom relacionamento entre as Autoras e os familiares do Réu a existência de uma suposta aceitação pelo Réu das demandantes como filhas, o que o recorrente não pode aceitar face à prova produzida na audiência de julgamento.
80. Com efeito, o episódio marcante provado em 22 dos factos provados, a ausência do Réu no convívio em Paris em 2008, a ausência das Autoras no aniversário do Réu em 2014, o episódio nas festas de ... em 2016 em que o Réu não cumprimentou as Autoras revelam que o Réu nunca procurou manter uma relação de proximidade com as Autoras.
81. O Tribunal a quo socorreu-se erradamente de prova indirecta para alcançar a sua convicção, desvalorizando os depoimentos das testemunhas ouvidas e não retirando qualquer conclusão das contradições entre as declarações de M. R. e a irmã M. J., autoras.
82. No Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 17/12/2018 in DGSI (processo 211/17.0T8VLN.G1), num caso idêntico ao caso dos autos, no qual resultou do exame pericial a filiação biológica do Réu, e resultou provado que a família do Réu (pais e esposa) considerava a Autora como filha deste, mas que nunca ninguém ouviu o Réu tratar a Autora como filha e nunca o viram conversar com ela, o tribunal recorrido considerou a ação caduca, e o Tribunal da Relação confirmou a sentença, dando o recurso da Autora como improcedente, podendo ler-se “revisitada a respectiva prova produzida, conclui-se não assistir razão à apelante, não se tendo adquirido convicção diferente daquela obtida pelo Tribunal da 1ª instância. Estando em causa uma ação declarativa de condenação, a prova dos factos constitutivos, sejam ele positivos ou negativos, incumbe à parte que invoca o direito (cf artigo 342 do CC). Assim os factos em causa foram o resultado conjugado de toda a prova produzida em audiência, tal como destacado pelo Tribunal a quo na motivação da decisão da matéria de facto….com efeito na decisão proferida sobre a matéria de facto o Meritíssimo Juiz, que desenvolveu a fundamentação da sua decisão de modo criterioso e aprofundado, apreciando criticamente os depoimentos produzidos, deixou bem claro os motivos do seu julgamento, referindo quem lhe mereceu credibilidade ou não…”
83. Sobre a questão da prova do tratamento e da sua cessação, um Acórdão recente do Tribunal da Relação de Coimbra 28/05/2019 (Relator Isaías Pádua)- in DGSI pronunciou-se no sentido que e de acordo com uma corrente dominante (que a sentença a quo não seguiu), no Supremo Tribunal de Justiça e no próprio Tribunal Constitucional –“ dito de outro modo, competindo ao réu alegar e provar a caducidade relativa ao escoamento do prazo-regra de dez anos para a propositura da ação (artºs. 342º, nº. 2, e 343º, nº. 2, do CC), já será sobre o investigante que recai o ónus de alegar e provar os factos da contra-exceção, isto é, de demonstrar que, não obstante aquele prazo geral estar esgotado, beneficia de uma das situações enunciadas no nº. 3 do citado preceito legal que lhe permitem ainda, desse modo, e por via delas, estar a tempo de propor a ação de investigação de paternidade (o que, sem essa alegação e prova, lhe estaria vedado). Solução essa que, para além de decorrer das regras vigentes acerca da distribuição do ónus da prova, é aquela que se mostra mais consentânea com a ratio da previsão legal, que visa, como constitui communis opinio, conciliar, num justo equilíbrio, o interesse do investigante em ver estabelecido o vínculo da filiação e em conhecer a sua paternidade biológica enquanto emanação do direito à sua identidade pessoal, o interesse do investigado (e da sua família mais próxima) em ser protegido de demandas respeitantes a factos da sua vida íntima ocorridos há já muito tempo, bem como ainda o interesse público da certeza e da estabilidade das relações jurídicas.“
84. “São justamente os interesses da certeza e da estabilidade das relações jurídicas que a caducidade, enquanto figura extintiva de direitos, pelo seu não exercício em determinado prazo, procura satisfazer, impulsionando os titulares dos direitos em jogo a exercê-los num espaço de tempo considerado razoável, sob a cominação da sua extinção.
85. Concluindo “do exposto, é-se levado, pois, à conclusão de que o autor/investigante só poderá beneficiar do prazo especial consignado no nº. 3 do artº. 1817º do CC se alegar e provar que obteve o conhecimento superveniente (isto é, depois de transcorrido aquele prazo geral de 10 anos consagrado nº. 1 desse preceito, e dentro do prazo de 3 anos após esse seu conhecimento) de factos ou circunstâncias ali previstos que possibilitam ou justificam a investigação a que se propõe, por via deles, levar a efeito através da ação (a instaurar sempre dentro desse prazo de tês anos).
86. Reportando-nos ao caso em apreço, e sucumbindo a prova dos factos impugnados neste recurso, e subsequente alteração e ampliação da matéria provada apurada, conclui-se que as autoras não lograram sequer provar, como lhes competia, nenhum dos factos que lhe permitiam beneficiar do prazo (especial) previsto no nº. 3 do artº. 1817º, ex vi artº. 1873º, do CC, e assim possibilitar e justificar a investigação do réu como seu pretenso pai através da instauração da presente ação.
87. Com efeito, mais do que a prova da cessação do tratamento como filho, que o Tribunal a quo afirma o Réu não ter feito prova por confronto com a data da propositura da ação (15/11/2017), a partir do qual se fixa o dies a quo no prazo da prescrição neles previsto, nem sequer se provou que tivesse existido- objetivamente - que é o que releva, e independentemente da convicção das AA – tal tratamento. RC 08/09/2015
88. Decorrentemente, as Autoras não podiam beneficiar de tais prazos que têm como conditio sine qua non a existência de tratamento como filho e a sua cessação.
89. Assim não cabia ao recorrente provar a cessação voluntária do tratamento como filho não só porque esse tratamento não existiu mas também porque nenhuma alteração no comportamento do Réu se verificou que justificasse a aplicação deste prazo de 3 anos.
90. Sem conceder, e mesmo que se admitisse existir alguns contactos na infância, o que só por mera hipótese se admite, estes cessaram, conforme prova produzida em audiência de julgamento, há mais de 30 anos.
91. Refere o Tribunal a quo que a cessação do tratamento como pai tem de ser manifesta e inequívoca até no sentido de sinalizar para o investigante o momento a partir do qual começa a contar ao prazo de 3 anos.
92. Ora o episódio dado como provado no ponto 22 dos factos provados é manifesto e inequívoco no sentido de sinalizar o referido prazo, como o afirma a Autora M. R. quando questionada pelo Meritíssimo Juiz ao minuto 25:00 das suas declarações acima transcritas (ficheiro 20190403102115).
93. O tribunal a quo não ficou convencido com este episódio e então perseguindo na vontade de dar prazo às Autoras, releva na decisão a quo outro episódio (que não envolve o Réu) dando erradamente como provada a data de 2015 - o da visita da Autora M. J. em Paris - e que na verdade aconteceu como se demonstrou na impugnação da matéria de facto provada em 2008.
94. E como refere na sentença, e bem, o Tribunal a quo, o Réu não quis estar com a filha M. J. quando esta o foi visitar em Paris, assumindo a partir daí comportamentos que poderiam indiciar a referida cessação de tal tratamento - ou alegado tratamento.
95. Em agosto de 2014 quando o Réu festejou os seus 80 anos, ficou provado que as Autoras não estavam na festa. Esta matéria foi omissa mas deverá constar da matéria dada como provada.
96. Entende o recorrente à luz das declarações das Autoras acima transcritas que as Autoras tiveram consciência logo na altura do episódio dado como provado no ponto 22 dos factos provados de tal “cessação” (se se admitir que houve tratamento, o que só por mera hipótese se admite) ou seja de factos ou circunstâncias que justificavam a propositura da Ação, e apenas não o fizeram porque a mãe não queria (ponto 34 dos factos provados), conforme também o afirmaram.
97. Entende o recorrente que não ficou provado qualquer prova de contactos ou convívios entre o Réu e as Autores posteriormente a este episódio, como erradamente concluiu o Tribunal a quo para o desvalorizar.
98. A mãe das autoras faleceu em 2007, e as Autoras cientes há mais de 30 anos que o Réu não as considerava como filhas, esperaram mais 10 anos para instaurar a ação, alegando que só a partir do verão de 2016 é que o Réu começou a manifestar desinteresse por elas, quando à luz das regras da experiência comum e da prova testemunhal produzida ficou provado que o interesse nunca existiu ou deixou de existir há mais de 30 anos.
99. Deste modo, não tendo ficado provado o tratamento nem a ocorrência da cessação do tratamento no período de 3 anos antes da propositura da ação, pelas Autoras (se entendermos que a prova pertence às Autoras conforme jurisprudência do Tribunal da Relação de Guimarães 17/12/2018 e mais recente do Tribunal da Relação de Coimbra 28/05/2019 in DGSI) ou há mais de 3 anos antes da propositura da ação, e que as investigantes tinham conhecimento há mais de 3 anos de tal cessação, (se entendermos - como entendeu a sentença recorrida - que a prova deste prazo pertence ao investigado, ora recorrente) conclui-se que o direito das Autoras de investigar a sua paternidade caducou.
100. Com efeito, as Autoras vêm passados 37 anos sobre a sua maioridade, a Autora M. R. com 57 anos de idade, e a Autora M. J. com 55 anos instaurar uma ação de investigação de paternidade contra o Réu, ora recorrente com 83 anos de idade, muito além de todos os prazos previstos na lei conforme se demonstrou neste recurso.
101. O Acórdão do TC n.º 394/2019 veio como uma maioria de 8 votos contra 5 no sentido da conformidade à Constituição do n.º 1 do artigo 1817º do CC, e assim, como entende e bem a douta sentença, “tendo este último acórdão sido proferido em Plenário e, nesse sentido, configurando uma posição do Tribunal Constitucional sobre tal assunto para o futuro próximo, não se julga razoável continuar a questionar tal entendimento.
102. A sentença impugnada violou as disposições supra referidas nomeadamente os artigos 5 n.º 2, 607º n.º 3 e 4, 615 n.º 1 al b) do CPC e os artigos 1871º a), 1817 º n.º 1, n.º 3 al b), e n.º 4 do Código CC, e 18 n.º 2, 26º n.º1 e 36º da CRP.

Termos em que deve ser julgado procedente o presente recurso, e em consequência deve ser revogada a decisão recorrida, alterando-se antes de mais a decisão quanto à questão de facto, reapreciando a veneranda Relação de Guimarães a prova dos autos, acrescentando à matéria dada como provada a factualidade indicada pelo recorrente nos termos expostos, e substituindo-a por outra que declare caduco o direito das Autoras de propor a presente ação de investigação da sua paternidade, melhor se fazendo assim JUSTIÇA !
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III.- Atentas as conclusões acima transcritas, que definem e delimitam o objecto do presente recurso, são as seguintes as questões que nelas se suscitam:

- nulidade da sentença por falta de fundamentação;
- reapreciação da decisão de facto;
- consequências jurídicas da eventual alteração da referida decisão, designadamente quanto à questão de caducidade da ação.

Oficiosamente conhecer-se-á ainda da inconstitucionalidade dos prazos estabelecidos no art.º 1817.º do C.C., designadamente no n.º 3, no qual se enquadra a presente situação.
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B) FUNDAMENTAÇÃO

IV.- Invoca o Apelante a nulidade da sentença por falta de fundamentação – artigo 615.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil.

O Tribunal a quo pronunciou-se pela inverificação da nulidade arguida.
Como vem sendo decidido uniformemente pela jurisprudência e pela doutrina, a falta de motivação a que alude este normativo, motivo de nulidade da decisão, é a total omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que assenta a decisão. “Uma especificação dessa matéria apenas incompleta ou deficiente não afecta o valor legal da sentença”, como refere o Acórdão do S.T.J. de 05/05/2005 (in www.dgsi.pt.).
No Acórdão desta Relação de Guimarães de 17/11/2004, (in www.dgsi.pt), pode ler-se: “O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), repetidamente aconselha que: a extensão da obrigação de motivação pode variar consoante a natureza da decisão e deve analisar-se à luz das circunstâncias do caso concreto; a motivação não deve revestir um carácter exageradamente lapidar, nem estar por completo ausente (cf. Vincent e Guinchard, Procédure Civile, Dalloz, §1232, e arestos aí citados). Mostra-se ainda útil esclarecer, a este propósito, que a exegese do disposto no art.º 668º nº1 al. b) C.P.Civ., de há muito vem entendendo que a fundamentação insuficiente ou deficiente não constitui causa de nulidade da decisão, embora justifique a sua impugnação mediante recurso – veja-se, por todos, Teixeira de Sousa, in «Estudos», página 222. Só a ausência de qualquer fundamentação é susceptível de conduzir à nulidade da decisão. Ao aludir-se a “ausência de qualquer fundamentação” quer referir-se a falta absoluta de fundamentação, a qual porém pode reportar-se seja apenas aos fundamentos de facto, seja apenas aos fundamentos de direito. Torna-se necessário que o juiz “não concretize os factos que considera provados e coloca na base da decisão” (cf. Varela, Bezerra e S. e Nora, Manual, §222). As nulidades da sentença devem ser encaradas à semelhança das nulidades insanáveis do petitório (artº 193º C.P.Civ.) – são nulidades de tal forma graves que tornam imprestável, imperceptível, a peça a que se reportam. Da mesma forma, se a petição é omissa quanto à indicação da causa de pedir, a petição é inepta – artº 193º nº2 al.a) C.P.Civ».
Também a doutrina se pronuncia em sentido idêntico. Veja-se TEIXEIRA DE SOUSA (in «Estudos sobre o Processo Civil», pág. 221): “esta causa de nulidade verifica-se quando o tribunal julga procedente ou improcedente um pedido (e, por isso, não comete, nesse âmbito, qualquer omissão de pronúncia), mas não especifica quais os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão. Nesta hipótese, o tribunal viola o dever de motivação ou fundamentação das decisões judiciais (artigo 208.º, n.º 1 CRP e artigo 158.º, n.º 1 CPC) …o dever de fundamentação restringe-se às decisões proferidas sobre um pedido controvertido ou sobre uma dúvida suscitada no processo (…) e apenas a ausência de qualquer fundamentação conduz à nulidade da decisão (…); a fundamentação insuficiente ou deficiente não constitui causa de nulidade da decisão, embora justifique a sua impugnação mediante recurso, se este for admissível».
LEBRE DE FREITAS, (in «Código de Processo Civil Anotado», vol 2.º, pág. 669), refere que “há nulidade quando falte em absoluto indicação dos fundamentos de facto da decisão ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão, não a constituindo a mera deficiência de fundamentação”.
De igual modo ANTUNES VARELA et AL. (in «Manual de Processo Civil», 2.ª edição, pág. 687), entendem que a nulidade existe quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão e não a mera deficiência de fundamentação.
Perpassada a sentença resulta evidente que dela constam os factos que o Tribunal a quo julgou provados e os que julgou não provados, decisão que se apresenta claramente motivada, manifestando o percurso decisório do Julgador, constando ainda a fundamentação de direito e a integração jurídica dos factos, resultando, pois, evidente o infundamentado do vício apontado, com o que se julga improcedente a arguição.
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V.- O Tribunal a quo proferiu a seguinte decisão de facto:

i) julgou PROVADO que:

1. A Autora, M. R., nasceu em - de Junho de 1960, na freguesia de ..., tendo sido registada como filha de pai incógnito.
2. Por sua vez, a Autora, M. J., nasceu em - de Setembro de 1962, na freguesia de ..., tendo sido registada como filha de pai incógnito.
3. Durante o período legal de concepção de cada uma das Autoras, altura em que ambos eram solteiros e vizinhos, a mãe das Demandantes, G. P., manteve uma relação de cariz amoroso com o Réu, A. B.;
4. Tendo o Demandado mantido com a mãe das Demandantes relações sexuais durante os primeiros 120 dias dos 300 dias que precederam o nascimento de cada uma das Autoras.
5. Em Outubro de 1962, o Réu emigrou para França, onde estabeleceu a sua vida profissional, familiar, aí residindo até hoje;
6. Apesar de se deslocar nas férias de Verão a Portugal por períodos de cerca de 3 semanas, ainda que de forma irregular, com a periodicidade de cada 3 anos;
7. Em 9 de Setembro de 1967, o Réu casou-se com C. P.;
8. Desse casamento tendo nascido dois filhos, J. L., nascido em -/8/1969, em ..., e M. C., nascida, no mesmo local, em -/6/1973.
9. Em 18 de Julho de 1978, o Réu adquiriu a nacionalidade francesa.
10. Por sua vez, as Autoras emigraram para Madrid entre 1980 e 1985, aí residindo desde então e explorando um restaurante, embora vindo com frequência anual a ....
11. Desde o nascimento das Autoras que, na aldeia da ..., aquelas são conhecidas como sendo filhas do Réu, atento o conhecimento, por parte dos habitantes da aldeia, da relação amorosa existente entre o Demandado e a mãe das Demandantes.
12. Enquanto as Autoras eram crianças e adolescentes, não tendo ainda emigrado para Espanha, sempre que o Réu, embora já residindo em França, vinha a ... nas férias do Verão, o que acontecia cada 3 anos, o mesmo chamava, por intermédio de um seu irmão ou de um vizinho, as Demandantes para estarem com ele na casa dos pais do Demandado, o que aquelas faziam, aí tomando refeições e permanecendo, enquanto não lhes diziam para voltarem para casa da sua mãe.
13. Nessas alturas, o Réu também passeava ocasionalmente com as Autoras no campo e no rio, numa dessas ocasiões acompanhado dos filhos nascidos do seu casamento.
14. Nessas ocasiões de convívio, as Demandantes tratavam o Demandado por “pai”, não recusando este tal tratamento, embora não tratasse as Autoras igualmente por “filhas”.
15. Apesar do referido em 14), perante vizinho do qual era amigo, designadamente, o depoente, M. A., o Réu assumia ser pai das Autoras, designadamente, quando dizia àquele que ia enviar roupa para as suas filhas, referindo-se às Demandantes.
16. Ainda durante a sua infância e adolescência, as Autoras frequentavam, embora de forma ocasional e, frequentemente, sem a presença do Demandado, a casa dos pais do Réu, os quais ajudavam ocasionalmente a mãe das Demandantes, fornecendo-lhe comida, e deixando que as Autoras os tratassem por “avós”.
17. Também o tio das Autoras, N. B., irmão do Réu, tinha e tem para com as Demandantes amizade, deixando que estas o tratassem e tratem ainda como “tio”.
18. Em algumas ocasiões, quando as Demandantes ainda eram menores, o Réu enviou-lhes roupa usada, fosse por correio, fosse através de familiares deste.
19. Salvo o referido em 18), o Réu nunca prestou ajuda económica às Autoras ou à mãe destas, designadamente, através do envio de dinheiro, alimentos ou outros bens, bem como através do pagamento de despesas daquelas.
20. Desde que as Autoras emigraram para Madrid, os contactos presenciais das mesmas com o Réu passaram a ser raros, apenas ocorrendo quando coincidia de aquelas estarem a passar as férias de Verão em ... e de o mesmo acontecer com o Demandado.
21. Nessas ocasiões raras aludidas em 20), as Autoras encontravam o Réu na rua e cumprimentavam-no, tratando-o por “pai”, tratamento esse que este não recusava, sendo que a Autora, M. R., também chegou em, pelo menos, uma dessas ocasiões a almoçar em casa do irmão do Demandado com o Réu.
22. Sem prejuízo, numa das ocasiões referidas em 20), ocorrida entre 1986 e 1991, quando o Réu permanecia em casa do irmão em ..., a Autora, M. R., quis apresentar-lhe o seu filho, então com 4-5 anos de idade, à porta da referida habitação, tendo o Demandado recusado conhecer a criança e subido as escadas de acesso à casa para evitar tal contacto, o que magoou a referida Demandante.
23. Sem prejuízo, já depois de tal incidente aludido em 22), a Autora, M. J., continuou a telefonar ao Réu no Natal, falando com este, de forma amistosa, nessas ocasiões, e continuando a chamá-lo “pai”.
24. A filha do Réu, M. C., manteve, pelo menos, em 2008-2009, relação de amizade com a Autora, M. J., trocando correspondência com esta e relatando-lhe os acontecimentos da sua família.
25. Em 2015, a filha do Réu, M. C., convidou a Autora M. J. a ir a França visitar a família do Réu, o que esta fez no mês de Julho desse ano, passando aí uma semana e dormindo algum tempo em casa de uma irmã do Demandado.
26. Sem prejuízo, aquando da visita aludida em 25), o Réu não quis estar com a Autora, M. J., não se tendo os dois encontrado.
27. No Verão de 2015, altura em que o Réu festejou o seu aniversário em ..., estando as Autoras presentes nessa ocasião, estas e aquele não se falaram, tendo as Demandantes optado por não ir ao encontro do Demandado, porque entendiam que este, quando havia passado pelas mesmas em momento anterior, as deveria ter cumprimentado.
28. No Natal de 2016, a Autora, M. J., ligou insistentemente (3 ou 4 vezes) ao Réu a fim de lhe desejar boas festas, não tendo este atendido o telefone.
29. As Autoras exploram um café-restaurante em Madrid, auferindo o suficiente para cuidarem de si próprias e dos seus filhos sem passarem por dificuldades financeiras.
30. O Réu é pai das Autoras com um grau de probabilidade de 99,99999999%, no caso da Demandante, M. R., e um grau de probabilidade de 99,99999998%, no caso da Demandante, M. J..
31. A Autora, M. R., atingiu a maioridade em 11 de Junho de 1978.
32. A Demandante, M. J., atingiu a maioridade em 11 de Setembro de 1980.
33. A presente acção foi instaurada em 15 de Novembro de 2017.
34. As Autoras não instauraram a presente acção em momento anterior ao referido em 33), uma vez que a sua mãe, enquanto fora viva, sempre lhes havia pedido para não o fazerem.
35. O Réu, A. B., é uma pessoa reservada por natureza.
36. Nos últimos 30 anos, aquando das suas visitas habitualmente no Verão, as quais ocorrem com a periocidade de cada 3 anos, o Réu, A. B., por regra, apenas passa uma semana em ... em casa do seu irmão, passando o resto de tempo em Valpaços ou Chaves.

ii) julgou NÃO PROVADO:

A. Que o Réu se dirigisse às Autoras, chamando-lhes “filhas” (apenas se provando o referido em 14), 15) e 21) dos factos provados).
B. Que, na aldeia de ..., o Réu não fosse reputado como pai das Autoras.
C. Que as Autoras tenham instaurado a presente acção instigadas por terceiros a fim de obterem vantagens patrimoniais em razão da idade avançada do Réu e da possibilidade de este vir a falecer em data próxima.
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VI.- O Apelante entende que foram incorretamente julgados os pontos de facto n.os 12, 13, 14, 15, 18, 20, 21, 23, e 28, dos factos provados, que deveriam ter sido julgados não provados, apresentando a sua proposta de decisão quanto aos pontos de facto n.os 18, 25, 27 e 34.
Posto que o Apelante cumpriu com todos os ónus impostos pelas três alíneas do n.º 1 e pela alínea a) do n.º 2, do art.º 640.º do C.P.C., não há obstáculo legal à pretendida reapreciação da decisão de facto.
E, analisada toda a prova produzida nos autos, temos que dar razão ao Apelante, no sentido de que não foi produzida prova suficiente ou capaz para que se pudesse concluir que o tratamento como filhas, por parte do pretenso pai, havia cessado há menos de três anos aquando da instauração da ação.
Não há dúvida de que as Apeladas/Autoras eram reconhecidas na sua aldeia natal, pelas pessoas em geral e até por familiares do Apelante, como filhas deste. O exame de ADN veio provar que tinham razão e que aquelas são, de facto, filhas deste.
A testemunha J. R., familiar afastado de ambas as partes, que chegou a pensar telefonar ao Apelante, na véspera do julgamento, “como amigo e familiar, para o defrontar com a realidade”, custando-lhe a aceitar que “com 84 anos, nunca assumiu a paternidade de umas filhas que sempre o trataram como pai”. Perguntado porque tal teria acontecido, respondeu “porque ele foi para França, perdeu contacto com as filhas, estabeleceu novas relações que implicavam outros compromissos”. Esta mesma testemunha acrescentou que nunca ouviu o Apelante falar das Apeladas como sendo suas filhas e que, mesmo os irmãos daquele diziam que “ele não diz que não é pai delas, só que nunca conviveu com elas”.
Também os irmãos do Apelante, admitindo, embora, que as Apeladas, quando crianças, fossem a casa dos seus pais (avós), nunca presenciaram tais ocorrências e muito menos viram o Apelante com as Apeladas, nem aquele alguma vez lhes falou delas. Aliás, nenhuma testemunha ouvida, falou, alguma vez com o Apelante sobre este assunto.
A testemunha M. C., filha do Apelante, soube da existência das Apeladas já com 22/23 anos de idade, pela sua mãe, que logo a esclareceu que o pai não queria falar nesse assunto. Mais adiantou que nunca tinha visto as Apeladas nas reuniões familiares, designadamente, em casa dos avós, apesar de aceitar que a sua mãe, por uma vez, pelo menos, enviou roupa para as Apeladas. Quando perguntada sobre os motivos do pai em não as querer aceitar como filhas, respondeu “ele nunca as considerou como filhas dele e diz que os meus filhos são vocês dois e não é por serem filhas biológicas que as considero como minhas filhas, não quer dar o nome dele para elas, não tive relações nenhumas com elas ou com a mãe delas, não quero que elas tenham o meu nome”. E veja-se que esta testemunha até tentou conhecer melhor as Apeladas, tendo estado com elas em Paris, em casa de uma tia e tendo, por essa altura, trocado correspondência com a apelada M. J..
A apelada M. R. confirma que, em 10 anos (depois diz mesmo que, desde que foi viver para Madrid, há 33 anos) só estiveram uma vez na sua presença e que ele não lhes falou, acrescentando que “desde que nasceram os filhos que ele começou a dar-nos para trás”, salientando que a irmã foi uma vez a Paris, durante este período, mas não esteve com ele (apesar de ter estado em casa de uma irmã do Apelante e com a filha deste). Acrescentou que ele nunca lhes perguntou se precisavam de alguma coisa, nunca lhes telefonou ou escreveu, “nunca mandou dinheiro, nunca se preocupou, nunca quis saber”.
A Apelada M. J. tentou ir mais longe que a irmã, mas o seu depoimento – interessado no sucesso da ação – não resistiu ao confronto com a demais prova que foi analisada, designadamente, quanto a datas de eventos em que esteve presente, ou à explicação de contradições entre o seu depoimento e o de testemunhas ou mesmo da sua irmã. Mesmo aquela Apelada aceitou que o Apelante, desde que ela e a irmã foram para Espanha, nunca lhes ligou, nunca as mandou chamar a sua casa, nem nunca foi à casa delas.
Também não há dúvida que as Apeladas não estiveram presentes na festa de 80 anos do Apelante, que decorreu na aldeia, em 2014 – disseram-no várias testemunhas que estiveram presentes – e que o último momento em que o viram foi na festa da aldeia, em Agosto de 2016, mas não se falaram.

Importa, assim, introduzir as seguintes modificações na decisão de facto:

12. Enquanto as Autoras eram crianças e adolescentes, não tendo ainda emigrado para Espanha, frequentavam, ocasionalmente, a casa dos pais do Réu.
13. Não provado
14. Nesse período as Autoras tratavam o Réu por “pai”, não recusando este tal tratamento, embora não tratasse as Autoras igualmente por “filhas”.
15. Não provado
18. Em algumas ocasiões, quando as Autoras ainda eram menores, a mulher do Réu enviou-lhes roupa usada, através de uma familiar ou pelo correio.
21.Nas ocasiões raras aludidas em 20), as Autoras encontravam o Réu na rua e cumprimentavam-no, tratando-o por pai, tratamento esse que este não recusava.
23. Não provado
25. Em 2008, a filha do Réu, M. C., convidou a Autora M. J. a ir a França visitar a família daquele Réu, o que esta fez no mês de julho desse ano, passando aí uma semana e dormindo algum tempo em casa de uma irmã do Réu.
27. No Verão de 2016, na festa de ..., estando as Autoras presentes nessa ocasião, estas e o Réu não se falaram, tendo as Autoras optado por não ir ao encontro do Réu, porque entendiam que este, quando havia passado pelas mesmas em momento anterior, as deveria ter cumprimentado.
28. Não provado
34. A mãe das Autoras faleceu em -/07/2007 e, enquanto foi viva, sempre lhes pediu para não instaurarem ação de investigação de paternidade contra o réu.
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VII.- Face às alterações introduzidas, passou a ser a seguinte a matéria de facto:

i) FACTOS PROVADOS:

1. A Autora, M. R., nasceu em - de Junho de 1960, na freguesia de ..., tendo sido registada como filha de pai incógnito.
2. Por sua vez, a Autora, M. J., nasceu em - de Setembro de 1962, na freguesia de ..., tendo sido registada como filha de pai incógnito.
3. Durante o período legal de concepção de cada uma das Autoras, altura em que ambos eram solteiros e vizinhos, a mãe das Demandantes, G. P., manteve uma relação de cariz amoroso com o Réu, A. B.;
4. Tendo o Demandado mantido com a mãe das Demandantes relações sexuais durante os primeiros 120 dias dos 300 dias que precederam o nascimento de cada uma das Autoras.
5. Em Outubro de 1962, o Réu emigrou para França, onde estabeleceu a sua vida profissional, familiar, aí residindo até hoje;
6. Apesar de se deslocar nas férias de Verão a Portugal por períodos de cerca de 3 semanas, ainda que de forma irregular, com a periodicidade de cada 3 anos;
7. Em - de Setembro de 1967, o Réu casou-se com C. P.;
8. Desse casamento tendo nascido dois filhos, J. L., nascido em -/8/1969, em ..., e M. C., nascida, no mesmo local, em -/06/1973.
9. Em 18 de Julho de 1978, o Réu adquiriu a nacionalidade francesa.
10. Por sua vez, as Autoras emigraram para Madrid entre 1980 e 1985, aí residindo desde então e explorando um restaurante, embora vindo com frequência anual a ....
11. Desde o nascimento das Autoras que, na aldeia da ..., aquelas são conhecidas como sendo filhas do Réu, atento o conhecimento, por parte dos habitantes da aldeia, da relação amorosa existente entre o Réu e a mãe das Autoras.
12. Enquanto as Autoras eram crianças e adolescentes, não tendo ainda emigrado para Espanha, frequentavam, ocasionalmente, a casa dos pais do Réu.
14. Nesse período as Autoras tratavam o Réu por “pai”, não recusando este tal tratamento, embora não tratasse as autoras igualmente por “filhas”.
16. Ainda durante a sua infância e adolescência, as Autoras frequentavam, embora de forma ocasional e, frequentemente, sem a presença do Réu, a casa dos pais deste, os quais ajudavam ocasionalmente a mãe das Autoras, fornecendo-lhe comida, e deixando que estas os tratassem por “avós”.
17. Também o tio das Autoras, N. B., irmão do Réu, tinha e tem para com as Autoras amizade, deixando que estas o tratassem e tratem ainda como “tio”.
18. Em algumas ocasiões, quando as Autoras ainda eram menores, a mulher do Réu enviou-lhes roupa usada, através de uma familiar ou pelo correio.
19. Salvo o referido em 18), o Réu nunca prestou ajuda económica às Autoras ou à mãe destas, designadamente, através do envio de dinheiro, alimentos ou outros bens, bem como através do pagamento de despesas daquelas.
20. Desde que as Autoras emigraram para Madrid, os contactos presenciais das mesmas com o Réu passaram a ser raros, apenas ocorrendo quando coincidia de aquelas estarem a passar as férias de Verão em ... e de o mesmo acontecer com o Demandado.
21.Nas ocasiões raras aludidas em 20), as Autoras encontravam o Réu na rua e cumprimentavam-no, tratando-o por pai, tratamento esse que este não recusava.
22. Sem prejuízo, numa das ocasiões referidas em 20), ocorrida entre 1986 e 1991, quando o Réu permanecia em casa do irmão em ..., a Autora, M. R., quis apresentar-lhe o seu filho, então com 4-5 anos de idade, à porta da referida habitação, tendo o Réu recusado conhecer a criança e subido as escadas de acesso à casa para evitar tal contacto, o que magoou a referida Autora.
24. A filha do Réu, M. C., manteve, pelo menos, em 2008-2009, relação de amizade com a Autora, M. J., trocando correspondência com esta e relatando-lhe os acontecimentos da sua família.
25. Em 2008, a filha do Réu, M. C., convidou a Autora M. J. a ir a França visitar a família do Réu, o que esta fez no mês de julho desse ano, passando aí uma semana e dormindo algum tempo em casa de uma irmã do Réu.
26. Sem prejuízo, aquando da visita aludida em 25), o Réu não quis estar com a Autora, M. J., não se tendo os dois encontrado.
27. No Verão de 2016, na festa de ..., estando as Autoras presentes nessa ocasião, estas e o Réu não se falaram, tendo as Autoras optado por não ir ao encontro do Réu, porque entendiam que este, quando havia passado pelas mesmas em momento anterior, as deveria ter cumprimentado.
29. As Autoras exploram um café-restaurante em Madrid, auferindo o suficiente para cuidarem de si próprias e dos seus filhos sem passarem por dificuldades financeiras.
30. O Réu é pai das Autoras com um grau de probabilidade de 99,99999999%, no caso da Demandante, M. R., e um grau de probabilidade de 99,99999998%, no caso da Demandante, M. J..
31. A Autora, M. R., atingiu a maioridade em - de Junho de 1978.
32. A Demandante, M. J., atingiu a maioridade em - de Setembro de 1980.
33. A presente acção foi instaurada em 15 de Novembro de 2017.
34. A mãe das Autoras faleceu em -/07/2007 e, enquanto foi viva, sempre lhes pediu para não instaurarem ação de investigação de paternidade contra o Réu.
35. O Réu, A. B., é uma pessoa reservada por natureza.
36. Nos últimos 30 anos, aquando das suas visitas habitualmente no Verão, as quais ocorrem com a periocidade de cada 3 anos, o Réu, A. B., por regra, apenas passa uma semana em ... em casa do seu irmão, passando o resto de tempo em Valpaços ou Chaves.

ii) FACTOS NÃO PROVADOS

A. Que o Réu se dirigisse às Autoras, chamando-lhes “filhas” (apenas se provando o referido em 14), 15) e 21) dos factos provados).
B. Que, na aldeia de ..., o Réu não fosse reputado como pai das Autoras.
C. Que as Autoras tenham instaurado a presente acção instigadas por terceiros a fim de obterem vantagens patrimoniais em razão da idade avançada do Réu e da possibilidade de este vir a falecer em data próxima.
D (13). Nessas alturas, o Réu também passeava ocasionalmente com as Autoras no campo e no rio, numa dessas ocasiões acompanhado dos filhos nascidos do seu casamento.
E (15). Apesar do referido em 14), perante vizinho do qual era amigo, designadamente, o depoente, M. A., o Réu assumia ser pai das Autoras, designadamente, quando dizia àquele que ia enviar roupa para as suas filhas, referindo-se às Demandantes.
F (23). Sem prejuízo, já depois de tal incidente aludido em 22), a Autora, M. J., continuou a telefonar ao Réu no Natal, falando com este, de forma amistosa, nessas ocasiões, e continuando a chamá-lo “pai”.
G (28). No Natal de 2016, a Autora, M. J., ligou insistentemente (3 ou 4 vezes) ao Réu a fim de lhe desejar boas festas, não tendo este atendido o telefone.
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VIII.- a) Por força do disposto no art.º 1817.º, ex vi do art.º 1873.º, ambos do Código Civil (C.C.) a acção de investigação de paternidade pode ser proposta até à idade de 28 anos do investigante, ou, se tiver sido emancipado, nos 10 anos posteriores à data da emancipação.

Findo aquele prazo, e para o que ora interessa, pode ainda a acção ser proposta nos três anos posteriores a alguma das situações enunciadas nas três alíneas do n.º 3 daquele art.º 1817.º:

a) Ter sido impugnada, com sucesso, a paternidade do investigante.
b) Quando o investigante tenha tido conhecimento, após o decurso do prazo de 10 anos, previsto no n.º 1, de factos ou circunstâncias que justifiquem a investigação, designadamente quando cesse o tratamento como filho pelo pretenso pai.
c) Em caso de inexistência de paternidade determinada, quando o investigante tenha tido conhecimento superveniente de factos ou circunstâncias que possibilitem e justifiquem a investigação.

Da conjugação da alínea b) com a alínea c) resulta que esta se reporta às situações em que a paternidade não está determinada e aquela às situações em que a paternidade consta do registo do nascimento.
Estando, pois, subjacentes relações pessoais que traduzem realidades diferentes, o conceito de “factos” e circunstâncias” idóneos a justificar a investigação há-de ter um conteúdo também diverso.
Na alínea b) há uma paternidade estabelecida no registo, exigindo, por isso, a lei um maior grau de certeza nos “factos” e “circunstâncias”, como se retira do exemplo dado pelo legislador – a posse de estado –, a qual constitui uma presunção de paternidade, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 1871.º do C.C..
Não existindo paternidade/maternidade determinada, os “factos” e “circunstâncias” são todos os que tornem possível a investigação, e de que o investigante tenha tido conhecimento em momento posterior ao termo final do prazo-regra de 10 anos, estabelecido no n.º 1, e além disso, tais factos ou circunstâncias haverão de justificar que tenha sido apenas nesse momento e não antes que o investigante tenha lançado mão da acção com vista a exercer o seu direito de ver estabelecido o vínculo da filiação.
Do assento de nascimento das Apeladas/Autoras não consta o nome do pai, não estando, por isso a paternidade determinada.

E foram provados factos que possibilitaram a investigação sobre a paternidade:

- Quer durante a infância e adolescência, mas também quando já adultas, depois de haverem emigrado para Madrid, quando as Apeladas/Autoras se encontravam com o Apelante cumprimentavam-no e tratavam-no por “pai” (pontos de facto n.os 14 e 21).
- As Apeladas/Autoras são reconhecidas como filhas do Apelante mesmo pelos familiares próximos deste – pais e irmão, a quem aquelas tratam por “tio” (pontos de facto n.os 16 e 17).
Assim, as Apeladas/Autoras sempre souberam quem era o pai e este, à luz de uma apreciação global dos factores pessoais e sociais envolventes, não lhes negou o reconhecimento da paternidade, que, de resto, os exames de análise do ADN vieram a confirmar.
Com efeito, devem ter-se presentes as circunstâncias de tempo e de lugar onde os factos ocorreram – no ambiente socialmente fechado de uma aldeia transmontana, e mais de uma década antes de Portugal conseguir abrir os horizontes da Democracia.
Num ambiente de aldeia, e naqueles tempos austeros, nos hábitos de linguagem corrente os pais tratavam os filhos pelo nome quando queriam chamar a sua atenção, estando conforme com tais hábitos o tratamento das Apeladas/Autoras ao Apelante como “pai” assim como o não tratamento deste àquelas pelo termo “filhas”, tanto mais que, já adultas, ele, provadamente, não recusava o cumprimento delas tratando-o por «pai», o que mais compreensível se torna se se atentar na natureza reservada do Apelante (ponto de facto n.º 35).
Como em tantas outras situações, a procura, bem cedo, de melhores condições de vida levou a que estas pessoas se “desencontrassem” sendo normal que não aprofundassem as relações que é suposto existirem entre pais e filhos – repare-se que, como ficou provado, sendo o local onde se “cruzavam” a aldeia natal, nos últimos 30 anos, ou seja, desde finais da década de oitenta do século passado, que o ora Apelante apenas lá vai de 3 em 3 anos, e permanece aí apenas uma semana, em casa do seu irmão (ponto de facto n.º 36).
O ponto essencial da questão é, pois, a da justificação por que a presente acção só foi intentada em 15/11/2017.
As Apeladas/Autoras alegaram e provaram que, enquanto foi viva, a mãe sempre lhes pediu para não instaurarem a acção de investigação da paternidade. Contudo, esta faleceu em 17/07/2007, ou seja, dez anos antes, sem que se vislumbre uma justificação para um tão longo prolongamento do acatamento daquela vontade materna.
Uma das filhas do Apelante – M. C. – ainda terá tentado proporcionar um encontro entre ele e a Apelada/Autora M. J., no seu ambiente familiar habitual, em França, mas, para além de não ter sido bem sucedida, visto o Apelado o não querer, este episódio ocorreu em 2008 ou 2009, ou seja, oito ou nove anos antes da acção ter sido proposta.
O único facto relevante de ocorrência mais recente foi o verificado no Verão de 2016, na festa de ..., terra natal - as Apelantes decidem não ir, desta vez, ao encontro do “pai” por uma questão de reciprocidade de atitudes – como este, num momento anterior passou por elas e as não cumprimentou, decidiram não ir ao encontro dele, e desta vez não se falaram.
Pelo que se conhece das reacções e motivações humanas, terá este facto sido determinante para que as Apeladas/Autoras, uma com 54 anos de idade e a outra com 56, decidirem por termo a esta situação juridicamente indefenida – a paternidade é reconhecida mas não está “formalizada”, havendo que lhe dar a “roupagem” legal.
No fundo, o que se pretende é dar uma eficácia jurídica ao vínculo genético de uma filiação que todos conhecem e os actores principais – Apelante e Apeladas –, de facto, reconhecem e sempre reconheceram existir.
Não pode olvidar-se que as Apelantes estiveram até agora sujeitas a um condicionamento psicológico motivado pelo sentimento de rejeição por uma das figuras mais proeminentes da vida de uma pessoa, como o é o progenitor.
Assim, atentas as especiais circunstâncias da presente situação, crê-se que este facto tem idoneidade suficiente para justificar a propositura da acção, com o que estará salvaguardado o prazo a que alude o n.º 3 do art.º 1817.º do C.C..
Improcede, pois, a excepção de caducidade da acção invocada pelo Apelante.
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IX.- Sem embargo crê-se que a fixação de prazos para a proposição da acção de investigação de paternidade, na medida em que impede o exercício de direitos de personalidade de primeira linha, padece de inconstitucionalidade.
Não se ignorando a existência de jurisprudência de sentido adverso, posto que estamos em presença de direitos de personalidade, a discussão há-de estar sempre em aberto porque a sociedade não é estática e o equilíbrio de valores e princípios vai conhecendo reajustamentos.
O art.º 26.º da Constituição reconhece, como direito de personalidade, o direito à identidade pessoal, em cujo âmbito cabe o direito ao nome e o direito à historicidade pessoal, o qual designa o direito ao conhecimento da identidade dos progenitores, como vem sendo referido pelo Tribunal Constitucional.
Como refere o Acórdão do Tribunal Constitucional (T.C.) n.º 401/2011, transcrito no Acórdão do mesmo Tribunal n.º 309/2016, de 18/05/2016, “a ascendência assume especial importância no itinerário biográfico, uma vez que ela revela a identidade daqueles que contribuíram biologicamente para a formação do novo ser. O conhecimento dos progenitores é um dado importante no processo de autodefinição individual, pois essa informação permite ao indivíduo encontrar pontos de referência seguros de natureza genética, somática, afetiva ou fisiológica, revelando-lhe as origens do seu ser. É um dado importantíssimo na sua historicidade pessoal. Como expressivamente salienta Guilherme de Oliveira, «saber quem sou exige saber de onde venho» (em “Caducidade das ações de investigação”, ob. cit., pág. 51), podendo, por isso dizer-se que essa informação é um fator conformador da identidade própria, nuclearmente constitutivo da personalidade singular de cada indivíduo» (in https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20160309.html).
São conhecidos os argumentos esgrimidos pela corrente que se pronuncia pela conformação com a Constituição da fixação de prazos peremptórios para a interposição da acção de investigação da paternidade/maternidade, e os fundamentos apresentados pela corrente que defende a inconstitucionalidade.
Crê-se que uns e outros vêm aprofundadamente expostos no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 394/2019, de 3/07/2019, tirado em Plenário, que decidiu não julgar inconstitucional a norma do art.º 1817.º, n.º 1, do Código Civil, na redacção da Lei n.º 14/2009 (ut Proc.º 471/2017, in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20190394.html), e também no Acórdão do mesmo Tribunal n.º 488/2018, de 4/10/2018, que julgou em sentido oposto, por considerar a fixação de prazos violadora das disposições conjugadas dos art.os 26.º, n.º 1, 36.º, n.º 1, e 18.º, n.º 2, da Constituição (ut Proc.º 471/17, no mesmo sítio).
No primeiro, a Relatora do segundo, Cons.ª Maria Clara Sottomayor, formula um esclarecedor voto de vencido, no qual, depois de chamar a atenção para a incongruência do sistema jurídico que nas situações patrimoniais prevê um prazo de prescrição de 20 anos, e para a defesa de um direito pessoalíssimo, como o é o direito à identidade pessoal, reduz esse prazo a metade, mau grado o legislador tenha, em diversos diplomas de direito ordinário, consagrado “o primado da protecção dos direitos de personalidade em face dos direitos patriminiais e das vinculações contratuais, para o efeito de o seu titular poder fazer valer esses direitos a todo o tempo, sem dependência de prazo”. E prossegue referindo que “Neste quadro, o legislador, por razões de coerência e unidade da ordem jurídica, deve retirar todas as consequências da natureza do direito de intentar acção de investigação de paternidade enquanto direito de personalidade fundamental, cuja tutela a Constituição impõe que não dependa de prazo, uma vez que a acção de investigação de paternidade é o único instrumento jurídico disponível para concretizar o direito à identidade pessoal das pessoas que não têm paternidade estabelecida e desejam tê-la”, deixando referido, em conclusão que “A pessoa humana, à luz dos valores da Constituição, deve ter o direito de, em qualquer momento da sua vida, questionar o Estado sobre quem é e quem são os seus progenitores. Os motivos que teve para só numa fase tardia da vida intentar a ação de investigação da paternidade dizem respeito ao seu foro íntimo e estão relacionados com a sua história e a dos seus pais biológicos. Por dizerem respeito à dignidade mais profunda do ser humano – o direito a saber quem é e de onde veio – o Estado não tem legitimidade para avaliar e hierarquizar estes motivos em função do decurso do tempo (ou de qualquer outro critério), fixando um prazo para o exercício do direito da ação de investigação da paternidade.
Também o Cons.º Manuel da Costa Andrade, que formulou voto de vencido, reconhecendo haver “decorrências ou projeções da paternidade que podem assumir maior relevo e peso nas fases iniciais, onde, no essencial, se joga a subsistência, a educação, a formação da identidade, a socialização”, conclui defendendo que “os valores ou interesses pessoalíssimos que verdadeiramente dão sentido à relação de paternidade e à respetiva ação de investigação podem aflorar e atualizar-se, na plenitude das suas implicações e reivindicações legítimas, em qualquer fase da vida, situada algures entre o nascimento e o ocaso. Do ponto de vista destes valores ou interesses a interposição da ação de investigação de paternidade chega sempre na hora certa e em tempo útil. Nunca cedo de mais; nunca tarde de mais”.
O Cons.º Joaquim Sousa Ribeiro, no voto de vencido que apôs no Acórdão n.º 401/2011, já havia deixado referido que “A simples inércia ou passividade, durante certo período temporal, em tomar a iniciativa de investigação de paternidade não deve ser destrutiva da legitimidade para o fazer quando, no critério atual do próprio, tal corresponde ao seu interesse na constituição plena da sua identidade pessoal. Tanto mais que o querer exercer, apenas numa fase mais tardia da vida, um direito de investigação que anteriormente foi negligenciado não é suscetível de censura por uma valoração externa, segundo padrões de conduta normalizada, tão complexa e singularizada é a teia de determinantes da decisão e forte a carga emocional que, muitas vezes, a caracteriza. Sem esquecer, no mesmo sentido, que a afirmação desse interesse, numa fase etária mais avançada, pode ser legitimamente influenciada pela consideração (só então possível) do interesse de outros (e, eventualmente, por pressão destes), igualmente afetados pelo desconhecimento da ascendência do investigante (os seus descendentes, muito em particular)”.
É, com efeito, conhecido o valor que actualmente vem sendo atribuído à reconstituição da árvore genealógica, como manifestação da pertença a uma família alargada.
Numa decisão que se crê inédita, a Relação do Porto, no Acórdão de 26/06/2017, considerou não haver impedimento a que um neto ou bisneto intente acção com vista ao estabelecimento da avoenga e da bisavoenga, omissos no registo civil, mesmo depois de já caducado o direito dos seus ascendentes a instaurarem a acção de investigação de paternidade (ut Proc.º 5829/16.5T8PRT.P1, in “Cadernos de Direito Privado”, n.º 59, págs. 44-51).
Os entraves que antes eram justificados pelo envelhecimento das provas, e até pela pouca fiabilidade já que na esmagadora maioria dos casos se verificava o recurso apenas ao meio de prova testemunhal, deixaram de poder ser considerados atentos os avanços da biotecnologia e da biomedicina que conferem um irrecusável carácter de credibilidade científica aos estudos genéticos, a concitar uma convergência indissociável entre a bioética e o direito.
Não é possível desconsiderar a realidade biológica que se impõe por meio de métodos científicos de alta confiabilidade (in “Direito e Dignidade da Família”, “Coexistência entre a socioafectividade e a identidade biológica”, Almedina, pág. 216).
O argumento da necessidade de se obstar a que a acção de investigação da paternidade sirva como um instrumento de “caça à fortuna” ficaria, decerto, esvaziado de sentido com um pequeno “retoque” no instituto da indignidade que o nosso C.C. já consagra e regula nos art.os 2034.º a 2038.º, se bem que, como refere o Cons.º Manuel da Costa Andrade, no voto de vencido a que acima se fez referência, “os interesses patrimoniais do investigante não merecerão consideração e proteção inferiores às que são reconhecidas e dispensadas aos interesses patrimoniais dos terceiros afetados nas suas expectativas. Terceiros que, muitas vezes, chegarão à linha de conflito numa posição de claro privilégio, porventura a reclamar e justificar oportunas medidas de compensação.”
De acordo com JORGE DUARTE PINHEIRO, “a tutela da segurança do pretenso pai está novamente aquém do interesse do filho, em especial num contexto de fiabilidade da prova do parentesco e da prevalência da ideia de responsabilidade parental pelo ser humano que foi gerado” (in “Direito da Família Contemporâneo”, 5.ª ed., Almedina, pág. 135), e prossegue referindo ainda que “Num ordenamento como o nosso, em que a acção de investigação de paternidade ou maternidade constitui o meio que assiste ao pretenso filho para obter o reconhecimento judicial da sua ascendência biológica, os prazos de caducidade configuram uma restrição desproporcionada do direito à identidade pessoal, mais precisamente do direito à identidade pessoal relativa ou à historicidade pessoal”.
E, englobando o direito de constituir família, consagrado no art.º 36.º n.º 1 da Constituição o direito ao conhecimento e reconhecimento da paternidade e da maternidade, os prazos de caducidade das acções de investigação lesam também este direito.
Uma conclusão se impõe: é importante reconhecer o acto de coragem de um adulto que decide enfrentar uma segunda rejeição da parte de quem o gerou, já que, com certeza, o não fará em busca de um apoio e arrimo que lhe foi sempre negado, merecendo, por isso, compreensão a demora do processo de maturação psicológica da decisão de enfrentar uma acção judicial que “mexe” com os seus mais profundos sentimentos.
Não se pode negar a uma pessoa o legítimo direito de conhecer e ver reconhecida a identidade do seu pai ou da sua mãe biológicos, ou seja, a sua verdadeira identidade e herança genéticas.
É a dignidade de um ser humano, que não pediu para nascer, se impõe ter presente.
Por outro lado, não deve deixar de se ter presente que a questão não é restrita às relações pai/filho, havendo projecções externas a essa relação, como, v.g., os impedimentos matrimoniais, establecidos nas alíneas a); c); e d), do art.º 1602.º do C.C., respectivamente, o parentesco na linha recta, o parentesco no segundo grau da linha colateral, e a afinidade na linha recta.
Do exposto se conclui que o estabelecimento de prazos para a proposição da acção de investigação da paternidade, constantes dos n.os 1 e 3 do art.º 1817.º do C.C., é inconstitucional porquanto viola os direitos fundamentais à identidade pessoal e a constituir família do investigante, consagrados nos art.os 26.º, n.º 1 e 36.º, n.º 1, violando ainda a proibição da restrição dos direitos, liberdades e garantias, no âmbito definido pelo n.º 2 do art.º 18.º, todos da Constituição da República Portuguesa.
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C) DECISÃO

Considerando quanto acima se deixa exposto, decide este Colectivo, por maioria, julgar improcedente o presente recurso de apelação, confirmando e mantendo a decisão impugnada, e considerar inconstitucional a norma do artigo 1817.º, n.º 3, do Código Civil, na redação da Lei n.º 14/2009, aplicável ex vi do disposto no artigo 1873.º do mesmo diploma, na parte em que, aplicando-se às ações de investigação da paternidade, prevê um prazo de três anos para a propositura da ação.
Custas da apelação pelo Apelante.
Guimarães, 08/07/2020

Fernando Fernandes Freitas
Alexandra Rolim Mendes
Ana Cristina Duarte (que junta voto de vencida)

Voto de vencida

Como relatora, elaborei projeto em que defendi que o prazo de 10 anos após a maioridade ou emancipação, consagrado no artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, na redacção da Lei n.º 14/2009 de 01/04, é suficiente para o exercício maduro e ponderado do direito de propor acção de investigação de paternidade, não exigindo o princípio constitucional de protecção do direito fundamental à identidade pessoal, a imprescritibilidade deste tipo de acção.
Em face do decurso do prazo, considerei, tal como, no meu ponto de vista, havia sido considerado na primeira instância, que havia caducado o direito das autoras a propor ação de investigação de paternidade, ao abrigo do n.º 1 do artigo 1817.º do CC.
Na sentença sob recurso, fazendo apelo ao disposto no artigo 1817.º, n.º 3, alínea b) do Código Civil, que estabelece que a ação pode, ainda, ser proposta nos três anos posteriores ao conhecimento por parte do investigante, de factos ou circunstâncias que justifiquem a investigação, designadamente, quando cesse o tratamento como filho pelo pretenso pai, foi a ação julgada procedente.
Contudo, analisada a prova produzida, em obrigação decorrente do facto de ter sido impugnada a decisão de facto, e considerando que o tratamento como filho implica um mínimo de assistência material, afetiva e moral ao longo do tempo, entendi que não havia prova da cessação do tratamento como filhas nos três anos anteriores, tratamento este que, nem sequer terá existido nunca, mas seguramente não existiu nos últimos 30 a 40 anos.
Assim, por entender que há muito que caducou o direito das autoras a investigar a paternidade, teria julgado procedente a apelação, revogando a sentença recorrida.
Este entendimento, relativo à constitucionalidade dos artigos em questão, não obteve vencimento junto dos restantes juízes que compõem o tribunal coletivo, pelo que, ficando vencida, foi o acórdão relatado pelo 1.º adjunto, com o voto de vencida, que agora apresento.

Guimarães, 8 de julho de 2020

Ana Cristina Duarte